O operador portuário aposentado Ronaldo Cavalcante da Silva, de 49 anos, aguardava há oito meses uma ligação com a confirmação de um transplante de rim, quando morreu por complicações da Covid-19, em Santos, no litoral de São Paulo. A sonhada ligação chegou dois dias após seu falecimento, sendo atendida pela esposa.
A companheira de Ronaldo, Elen Lemos Miranda, de 44 anos, fez um relato emocionante nas redes sociais, contando a trajetória dela e do esposo na luta contra a doença. Em entrevista ao G1 nesta sexta-feira (18), ela explicou que ele ficou internado por pouco mais de duas semanas por conta da Covid-19. Ronaldo, que havia recebido a primeira dose da vacina contra a doença, foi internado no dia 28 de maio com suspeita de coronavírus.
Antes, a família acreditava que poderia ser tuberculose, porém, descobriu que se tratava de Covid-19 após teste. Ele precisou ser intubado no dia 30, entretanto, a equipe médica e a família tinham esperanças de uma melhora, e ele chegou a ter o sedativo retirado aos poucos. Mas, o operador portuário apresentou uma insuficiência dos órgãos, complicação da doença, e não resistiu.
“Ele lutou bravamente. A gente estava bem empolgado, tinha previsão de extubar depois de tirar o sedativo. Eu vejo que ele não foi um número. Ele foi o grande amor da minha vida”, desabafa Elen.
Ronaldo morreu na última segunda-feira (14), e a família ainda tentava lidar com o luto, quando, dois dias depois, ocorreu a ligação sobre o transplante. Elen conta que havia tomado um medicamento para conseguir dormir, e quando acordou na quarta-feira (16), havia ligações perdidas do Hospital do Rim. Ao abrir o aplicativo de mensagens, se deparou com a notícia de que havia a possibilidade de um transplante de rim para o esposo.
“Na hora que eu vi a mensagem, dei um berro na cama, todos vieram correndo, e eu mostrei o celular, já chorando muito, inconformada. Quando li a mensagem, senti como se tivesse aberto um buraco na hora. Depois, pensei que estou em luto, e que tem uma família enlutada pela pessoa que doou os órgãos, mas há uma outra família que já sofreu muito com a hemodiálise, e está esperando isso. Preferi tentar me confortar desse jeito”, relembra.
Transplante
Ronaldo descobriu que tinha cistos policísticos em 2008, após uma crise de cólica renal. Eles passaram por diversos especialistas, até saberem que ele tinha a doença renal crônica. Ele passou a cuidar da alimentação e praticar atividades físicas, o que ajudou por um período.
Após um tempo, Ronaldo começou a fazer hemodiálise, e surgiu a possibilidade do transplante de rim. Com nenhum familiar compatível, ele entrou na fila em agosto de 2020. No dia 10 de fevereiro, chegou a ser chamado, mas era apenas para uma reserva. Na época, o rim foi transplantado em um jovem, e Elen comenta que, mesmo sem a cirurgia, ambos ficaram felizes e com esperança, ao serem avisados que, em breve, receberiam uma nova ligação.
Após a luta perdida contra a Covid-19 e a chamada inesperada que recebeu, Elen fez um desabafo na web, publicando os prints da conversa e das ligações feitas pelo hospital. No desabafo, ela ressalta que, apesar de lamentar tudo o que ocorreu, conseguiu se confortar ao saber que uma família receberia a chance de um transplante.
“Depois, mais calma, refleti, entendi que Deus não deixa cair uma folha de uma árvore se não for a vontade Dele. Onde o Ronaldo está, não precisa mais desse rim, está amparado por médicos de luz. Sinto muito também pela família enlutada do doador(a), que perdeu seu ente querido, e desejo, do fundo do coração, muita saúde para a pessoa que recebeu este rim”, escreveu.
Mesmo em meio a um momento difícil, ela ressalta que o esposo não é mais um número de vítima da Covid-19, e sim, uma pessoa que tinha muitos amigos e era muito admirada pelos filhos, três ao todo. “Eu nunca vi uma pessoa amiga igual a ele”, finaliza Elen.
Por Leticia Gomes, G1 Santos