Um sonho que nasceu há cerca de dez anos foi transformado em realidade pelo agricultor familiar Domingos Mendes da Silva, 56 anos. Maranhense, ele está em Rondônia há quase 30 anos. Morava no Assentamento Joana Darc, mas com a alagação da região pela hidrelétrica de Santo Antônio foi removido para uma nova área.
Apresentado ao Reassentamento Santa Rita, localizado a 62 quilômetros do centro de Porto Velho, a princípio relutou um pouco em aceitar a troca, mas depois de algumas visitas percebeu que era um bom negócio e se encantou com o lugar, decidindo que seu sonho tinha agora chance de virar realidade: se tornaria criador de pirarucu em cativeiro. “Sempre gostei muito de pirarucu”,diz.
Como todo sonho, sempre tem alguém para dizer que o objeto do desejo nunca será alcançado. Assim também foi com Domingos, que conta ter recebido a reprovação de uma única pessoa, uma técnica envolvida em projetos oficiais, da qual ele diz que, felizmente, nem lembra o nome, e com a oposição sentiu-se mais forte para lutar.
E valeu a pena ter resistido e insistido. Neste mês de julho, no dia 14, sua família retirou de seus tanques mais de oito toneladas de pirarucu entre um ano e meio e dois anos de criação, levados para consumo provavelmente no mercado paulista, já que a remessa foi adquirida por uma empresa e enviada para lá.
A princípio o abate dos peixes trouxe muita tristeza. Não somente para o chefe da equipe, mas para a esposa e o filho. Dona Maria do Socorro Silva Lira divide o sonho com o marido e disse que “a dor foi tanta que eu nem quis ver”. Ela conta que são apenas peixes, mas que a rotina de cuidar deles toda a manhã acaba criando afeto.
“Eles são muitos, mas a gente cuida como se fosse um e faz todo o ritual da alimentação, troca de água, vê se tem algum tipo de problema”, diz. Mas o casal compartilha também da alegria, porque foi a primeira venda efetiva em mais de dois anos de trabalho. “Agora é a concretização do sonho”, destaca o produtor.
O filho Willian de 25 anos é especial: “É uma criança grande, mas nos ajuda muito”. Numa tarde, um compenetrado Willian ajudava a lavar o tanque desocupado com a despesca do dia anterior. O recipiente de 1,20m por 8,30m logo seria ocupado por novos peixes. “Tem muito trabalho, mas é muito bom”, ressalta dona Maria do Socorro.
Os pirarucus da primeira venda pesavam entre 11 e 15 quilos. “É um tamanho muito pequeno, hoje a gente sabe que um peixe desse pode chegar até 200 quilos”, diz Domingos. Mas para ele o ideal seria chegar a uma produção em que cada unidade tivesse no mínimo 50 quilos. Ele já conseguiu alguns com até 36.
O problema é que quanto mais tempo o peixe for mantido no local, maior se torna o custo da criação. “Eu quero muito ter pirarucus maiores, mas preciso de ajuda de recursos, especialmente para a alimentação”, desabafa o piscicultor. Segundo ele, atualmente a alimentação do peixe, com ração três vezes ao dia, consome 60% do investimento.
A partir do estágio juvenil, lá pelos três meses mais ou menos, eles passam para a ração nacional, mas antes disso precisam de um composto importado, que além do alto custo às vezes não atende à necessidade da espécie. Como aconteceu este ano, o que resultou em prejuízos para o produtor. A aquisição do alevino do pirarucu também não é das mais baratas. De acordo com Domingos, cada centímetro de um alevino custa R$ 1,00. Se ele tiver 10 cm terá que pagar R$ 10,00 a unidade.
Para montar o negócio do Piraçai, projeto criado pelo próprio Domingos e formatado com a ajuda de técnicos da Emater e da Secretaria da Agricultura, o produtor teve a parceria da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, que patrocinou cerca de 60 a 70%.
FINANCIAMENTO
“Eles ajudaram na aquisição dos tanques e bomba”, lembra. Dentro do Programa de Agricultura Familiar ele conseguiu financiamento pelo Banco da Amazônia. “Agora eu preciso de outros parceiros, como o governo do Estado de Rondônia para que este projeto, que para mim já deixou há muito tempo de ser experimental, possa realmente ocupar um lugar de destaque na nossa economia”, avalia.
O projeto Piraçaí consiste no aproveitamento de 100% da criação do peixe. A água utilizada nos tanques de lona vem de uma represa natural e é trocada diariamente. Seu descarte é feito em outros tanques, onde passa pelo processo de decantação. A água retirada é utilizada na irrigação do plantio de açaí e os dejetos se transformam em adubo. Na despesca do peixe tudo deve ser aproveitado, desde as vísceras, que vão para composição de ração animal, as escamas e a pele.
“Vendemos a carne do peixe, mas os demais subprodutos ficaram de graça”, observa, para em seguida afirmar que diminuir o custo de produção do pirarucu e agregar valor à espécie são os maiores desafios hoje.
A possibilidade de instalação da Rondônia Alimentos, que no novo distrito industrial de Porto Velho pretende implantar frigorífico de pescados com área de tecnologia, indústria de farinha e indústria de ração, traz esperança para Domingos, que trabalha para que outras famílias do Reassentamento Santa Rita ingressem na atividade.
“Se cada família tivesse três tanques seria um bom começo”, diz, considerando que o governo poderia ajudar nessa aquisição, mediante linha de crédito desburocratizada e com juro baixo.
Ele explica que três tanques usam uma bomba de cinco cv(potência de motor) tranquilamente. Seriam a principio 700 peixes e com 10 famílias dá sete mil peixes. Com isso, aumenta a possibilidade de crescer a piscicultura em tanques de lona e a oportunidades de bons negócios.
O pioneiro Domingos não para de sonhar. Constrói um novo tanque, cujo custo chega a R$ 5 mil, e acredita que o pirarucu, pela versatilidade na culinária e sabor, pode representar muito para a economia de Porto Velho e de Rondônia.
Fonte:DECOM