O projeto, denominado Rota Agro Norte, marca a primeira concessão de uma rodovia federal na região Norte do país e prevê investimentos da ordem de R$ 10,23 bilhões ao longo dos 30 anos de contrato. Desse montante, R$ 6,35 bilhões correspondem a melhorias de infraestrutura e R$ 3,88 bilhões serão destinados a despesas operacionais.
Leonardo Boguszewski, CEO da 4UM Investimentos, demonstrou entusiasmo durante a cerimônia: “Pela segunda vez estamos aqui para contribuir com o desenvolvimento do país numa região importante para o escoamento de grãos. Estamos assumindo o compromisso de fazer todas as melhorias de segurança”, declarou antes de bater o martelo que simbolizou a conclusão do negócio.
A empresa já possui experiência em concessões rodoviárias, tendo conquistado em agosto do ano passado a concessão da BR-381, em Minas Gerais. Agora, assume o desafio de administrar 686,70 quilômetros da BR-364, considerada vital para o escoamento da produção agrícola da região Norte e Centro-Oeste.
Importância estratégica
A BR-364 desempenha papel fundamental no transporte de commodities, especialmente soja e milho, conectando o oeste de Mato Grosso a Rondônia e ao Acre. A rodovia facilita o acesso ao porto de Porto Velho, de onde a produção segue pela hidrovia do Madeira até os portos do Amazonas para exportação.
Em sua extensão total, a rodovia atravessa seis estados brasileiros: inicia-se em Cordeirópolis (SP) e passa por Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Rondônia, terminando em Mâncio Lima, no Acre, totalizando mais de 4,3 mil quilômetros. O trecho concedido corresponde ao Lote CN5 da Rota Agro Norte.
Presente ao evento, o ministro dos Transportes, Renan Filho, destacou que o país vive o maior ciclo de concessões rodoviárias de sua história, com previsão de investimentos de R$ 300 bilhões nos próximos anos. “Fizemos dez leilões com oito vencedores diferentes, o que mostra transparência, novos entrantes nas concessões e igualdade de condições para investidores de médio porte participarem”, afirmou o ministro.
Segundo ele, o governo atual realizou dez leilões em apenas dois anos, enquanto a gestão anterior concluiu seis certames em quatro anos. Renan Filho também anunciou que o trecho da BR-364 em Mato Grosso também será concedido, fortalecendo os corredores de exportação de grãos.
Desafios do projeto
Especialistas consideram que a concessão da BR-364 apresentava desafios significativos. Rodrigo Campos, advogado do escritório Vernalha e Pereira Associados e especialista em direito regulatório com foco em infraestrutura, aponta que o projeto era complexo por estar localizado fora a dos grandes centros e envolver uma rodovia nunca antes concedida.
“Além disso, o projeto exige um investimento elevado, superior a R$ 10 bilhões, em um momento de maior cautela no cenário macroeconômico. Como resultado, não atraiu os players mais tradicionais”, explicou Campos. Ele classificou o resultado como uma vitória para o governo federal, que conseguiu dar continuidade ao programa de concessões rodoviárias.
De acordo com estimativas oficiais, a concessão deve gerar mais de 92 mil empregos diretos e indiretos durante os 30 anos de contrato. O projeto prevê a duplicação de 114 quilômetros da rodovia, construção de terceira faixa em aproximadamente 200 quilômetros, além de outras intervenções como passarelas e melhorias de segurança.
Críticas e controvérsias
Apesar do tom otimista durante o leilão, o projeto enfrenta críticas de diversos setores. O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Rondônia (CREA-RO) apresentou denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitando o cancelamento do certame.
Segundo o CREA, o projeto inicial previa a duplicação integral da rodovia, mas a versão atual contempla apenas 114 quilômetros, concentrados principalmente no trecho entre Presidente Médici e Jaru. “O impacto da mudança é significativo, pois a concessionária irá instalar pedágios de Porto Velho a Vilhena, o que significa que a população terá que pagar ao longo dessa extensão, antes mesmo de iniciar a duplicação da BR”, alertou o órgão em sua denúncia.
A bancada federal de Rondônia também manifestou preocupação, solicitando ao Ministério dos Transportes a suspensão ou adiamento do leilão. Para os parlamentares, o valor do pedágio previsto poderá estar entre os mais elevados do país, sem a devida contrapartida em melhorias para os usuários.
“O projeto, da forma como está proposto, é inviável. Um pedágio elevado, poucas melhorias e a ausência de diálogo com aqueles que realmente utilizam a rodovia. A bancada não aceitará cobranças sem contrapartidas adequadas”, declarou o deputado Maurício Carvalho, coordenador da bancada federal de Rondônia.
Questão indígena
Outro ponto de controvérsia envolve as comunidades indígenas afetadas pelo projeto. A Coordenação das Organizações Indígenas do Povo Cinta Larga e outras entidades acionaram a Justiça Federal denunciando supostas irregularidades no processo licitatório, especialmente a ausência de estudos ambientais prévios e a falta de consulta obrigatória aos povos tradicionais.
“Nós não fomos consultados, como diz a lei OIT-169. Não é que somos contra, é porque a gente não foi incluído no projeto. Isso vai ter impacto social e ambiental e nós queremos reivindicar esse direito. É um retrocesso contra os povos indígenas”, afirmou o líder indígena Gilmar Cinta Larga.
Em protesto, grupos indígenas chegaram a bloquear temporariamente a BR-364 na região de Cacoal (RO), alertando para a possibilidade de bloqueios totais caso suas demandas não sejam atendidas. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou, em nota, que as comunidades indígenas serão ouvidas durante a fase de licenciamento ambiental, que antecede as obras a serem realizadas pela concessionária.
As ações judiciais movidas pelos povos Cinta Larga e Zoró, junto a organizações ambientais, destacam que a Rota Agro Norte está localizada em uma área de alto risco por atravessar zonas de influência de diversas terras indígenas. Um pedido de liminar para suspensão do leilão foi negado pela Justiça Federal na segunda-feira, sob o argumento de que não haveria dano concreto e imediato, uma vez que o leilão é apenas uma das fases de um processo mais amplo.
O leilão da BR-364 abre uma série de 15 concessões de rodovias que o governo federal pretende realizar este ano. A modelagem do projeto foi desenvolvida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Joel Elias – Diário da Amazônia